José Pascoal é sócio do nosso Clube, da Delegação do Porto, tem 52 anos, vive em Leça da Palmeira e trabalha no Despacho da E-Redes, no Porto. Estivemos à conversa com ele, para nos falar sobre a viagem de Portugal à China, com a sua bicicleta:
Como nasceu este projeto?
Durante o ano de 2022 percebi que tinha as competências necessárias para fazer uma viagem de bicicleta pelo Mundo. O meu gosto pelas viagens, onde já tinha experienciado países menos turísticos, o facto de estar confortável a andar de bicicleta, por ter praticado BTT, e ser uma pessoa saudável levaram-me a refletir o motivo que me impedia de partir. Percebi que a principal resistência era deixar o conforto da casa, da família e dos amigos. Algo que dependia sobretudo de mim.
Demorei cerca de um ano a tomar a decisão de avançar, que começou com a formalização do pedido de licença sem vencimento. Aprovada a licença parti rumo a Macau, numa bicicleta que batizei de ‘Albarda’.
Quais as maiores dificuldades durante a viagem?
Identifico dois tipos de dificuldades, a física e a psicológica. Estar exposto às condições climatéricas, sobretudo o calor, vento e chuva, deixou-me vulnerável, por viajar de bicicleta. Para atravessar montanhas, com longas subidas ou desníveis acentuados, ou zonas inóspitas e áridas, foi necessária uma elevada exigência física.
Quando fiquei doente, com diarreia de viajante, percebi a total dependência na minha condição física. Estar numa região montanhosa do Paquistão e pedalar uma bicicleta (o que necessariamente obriga a um esforço suplementar), num país com assistência médica e hábitos alimentares muito diferentes das que estou habituado, obrigou-me a procurar soluções alternativas, como comprar um camping gás, para cozinhar a minha própria comida. Em alguns momentos da viagem, a incerteza do dia seguinte, como onde dormir, ou o que comer, transportou-me para um patamar de espírito de sobrevivência.
Mas a maior dificuldade foram os dias que se seguiram após o abalroamento de um carro, na Tailândia, que resultou na fratura da minha clavícula direita. Quando percebi que a jornada de bicicleta tinha terminado ali, que já não chegaria de bicicleta a Macau, como tinha idealizado, foi difícil de aceitar. Completados dez meses de viagem e depois de 15000km pedalados, foi necessário recuperar o entusiasmo e motivação que tinha sentido até ali.
Conta uma das muitas peripécias que certamente tiveste?
No norte do Camboja, enquanto estava a pedalar, encontrei um centro de preservação de elefantes. Parei para perguntar se podia fazer uma visita e disseram-me para regressar no dia seguinte. Pediram-me para fazer a inscrição e pagamento através de um site, na internet. Depois de pedalar mais trinta quilómetros, parei num alojamento para pernoitar. Jantei e fiz a inscrição, com o respetivo pagamento online, como me tinham indicado.
Na manhã seguinte, para poder estar às nove no centro, acabei por ter de sair às sete e pedalar os trinta quilómetros que tinha feito no dia anterior. Quando cheguei lá disseram-me que não tinham recebido a minha inscrição! Fiquei estupefacto! Após analisarem o problema descobri que tinha feito a inscrição no site errado, por causa de um problema informático, que não era da minha responsabilidade.
Sugeriram deslocar-me ao outro centro, que ficava a vinte quilómetros dali. Disse-lhes que estava de bicicleta e pedalar mais vinte quilómetros implicava chegar tarde, o que acabaria por não usufruir da visita. Além do mais, no regresso teria de fazer mais cinquenta quilómetros, até ao alojamento onde estava hospedado!
Felizmente ficaram sensíveis aos meus argumentos e sugeriram que fizesse uma nova inscrição para o centro onde me encontrava. A anterior seria cancelada e o pedido de reembolso feito mais tarde. Entusiasmado por tudo parecer estar a resolver-se, um novo problema surgiu. Agora não conseguia fazer o pagamento.
Não tinham pagamentos por cartão, nem online. Apenas em dinheiro. Como não tinha comigo dinheiro suficiente para pagar a nova inscrição, deram-me boleia até ao multibanco mais próximo, que ficava precisamente junto do alojamento onde estava alojado. Foi estranho estar a percorrer de pick-up o mesmo trajeto que há momentos tinha percorrido de bicicleta.
Mas apesar destas confusões e deslocações para trás e para a frente foi um teste à minha resiliência e acabei por passar um belo dia.
Quais os ensinamentos e o que fica da viagem para o futuro?
Estar exposto a diferentes ambientes e situações, a que fui obrigado a reagir e a gerir, foi de uma grande aprendizagem. Viajar sozinho e ainda por cima numa bicicleta acaba por ser um grande desafio. Além da enorme vulnerabilidade, temos de ser nós próprios a resolver os problemas que vão surgindo.
“Pedalei 15.000 km por 19 países, vivi desafios, conheci culturas e fiz amizades inesquecíveis. Esta viagem foi uma lição de superação e uma experiência que mudou a minha vida.”
Regressado agora a casa, olho para os problemas de uma forma completamente diferente, dado a vida “fácil” que vivemos, em comparação com as muitas diferentes realidades com que me cruzei! Não devemos ter receio de pensar grande e avançar.
Mesmo depois de me ter sido diagnosticado a fratura da clavícula, adaptei-me às limitações e prossegui viagem. Foi difícil? Foi, mas isso deu-me uma força enorme, do ponto de vista mental, que ainda hoje sinto. Tal como me sinto um privilegiado por ter a oportunidade de concretizar este sonho.
Percorrer dezanove países permitiu-me também perceber que o desafio que temos pela frente, no que refere à transição energética, é enorme. Os combustíveis fósseis continuam a bater recordes, como o carvão que atingiu um novo valor máximo de consumo, em 2024. O mesmo Homem que continua a fazer avançar o mundo a uma velocidade vertiginosa é o mesmo que diz que temos de avançar rapidamente com a transição!
Para o futuro ficam as amizades que a viagem me proporcionou. Fiquei amigo de pessoas que apesar de não me conhecerem, trataram-me como se fosse um elemento da família.